domingo, 25 de agosto de 2013

Os aspectos sociais presentes em "O DONO DA BOLA" - de Ruth Rocha.

                                  Para entender a história...

Essa história fala sobre um menino que se chamava Carlos Alberto conhecido como Caloca, que tinha dificuldades em ter amigos. Ele era considerado, na sua rua, como o menino com melhor condição financeira, ele era também muito egoísta, não deixava ninguém brincar com seus brinquedos.
De vez em quando havia um grupo de amigos que jogava futebol com uma bola improvisada de meia, pois não tinham condições de adquirir uma bola de couro igual a de Caloca. Porém, Carlos Alberto não cedia a bola, a não ser quando ele estivesse participando da brincadeira, e exigia que fosse da sua maneira. Até que, depois de muita confusão, devido suas chantagens e exigências, ele teve que sair da equipoe. E mesmo procurando outros times para se inserir, a busca foi inválida, pois ninguém o aceitava por não ter um espírito esportivo. Depois de muitas rejeições, e isolamento Carlos Alberto voltou a procurar o time da sua rua, e teve que se redimir e aceitar as exigências do grupo, que exigiu que a bola fosse doada para eles: ele não poderia levá-la embora. Não tendo opção, Caloca aceitou. Iniciaram os treinos para o campeonato, e venceram. Assim, Caloca permaneceu no time da rua.

Algumas Reflexões...

O texto "O dono da bola", publicada em 1967  livro Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias, de Ruth Rocha,em uma perspectiva crítica, busca em seu contexto relatar as questões sociais e políticas da época em que foi escrito, e a diferença entre a classe média e baixa, despertando o leitor para refletir sobre o que se passa na sociedade, como se percebe no decorrer da narração, e quando a autora detalha as características requintadas dos brinquedos de Caloca.

“Caloca morava na casa mais bonita da nossa rua. Os brinquedos que Caloca tinha, vocês não podem imaginar! Até um trem elétrico ele ganhou do avô. E tinha bicicleta, com farol e buzina, e tinha tenda de índio, carrinhos de todos os tamanhos e uma bola de futebol, de verdade.”


Ruth deixa claro que o menino possuía mais recursos financeiros em comparação aos demais do bairro, possuía os melhores brinquedos, tinha uma linda bola de couro. Para deixar mais clara essa perspectiva social, a narrativa, no sexto parágrafo, acentua essa desigualdade entre os personagem que morava na mesma rua. Os supostos amigos estão à mercê das chantagens de Caloca, por não terem condições financeiras de adquirir uma bola de verdade, de couro, e só possuírem uma pequena bola de meia.

“O nosso time estava cheio de amigos. O que nós não tínhamos era bola de futebol. Só bola de meia, mas não é a mesma coisa.”... “Bom mesmo é bola de couro, como a do Caloca.”

Conforme Heck (2010), “A autora utiliza em suas obras uma retórica de cunho crítico, no qual esses frutos se constituem de um protesto contra as injustiças sociais resultantes do sistema político, da época”. Ainda de acordo com Heck, as diferenças sociopolíticas que nossa sociedade enfrenta são temas eminentes em suas obras, como se percebe de uma forma mais delicada, quando a autora coloca o personagem Caloca de classe média, sendo o dono da bola de couro, e os colegas de classe baixa, possuindo a bola de meia. E continua ainda mais, quando deixa claro que o personagem Caloca é quem decide, dita regras, e faz com que os demais garotos se sujeitam as suas vontades, opiniões, por perceberem que não podem competir com igualdade.

“Carlos Alberto pulou, vermelhinho de raiva: – A bola é minha, eu carrego quantas vezes eu quiser!”

Por fim, a autora coloca nos últimos parágrafos da história, que seria bem mais positivo, se o rei começasse a reinar com igualdade de pensamento, com sutileza e democracia, desse modo ela coloca o personagem Caloca se redimindo de sua postura dominante, e se transformando em um personagem mais humilde.

“No domingo, ele convidou o Xereta para brincar com o trem elétrico. Na segunda, levou o Beto para ver os peixes na casa dele. Na terça, me chamou para brincar de índio.  E, na quarta, mais ou menos no meio do treino, lá veio ele com a bola debaixo do braço. – Oi, turma, que tal jogar com uma bola de verdade?”... “Mas eu quero dar a bola ao time. De verdade!”

A autora, como narradora da história, solicita, no final do texto, a interferência do leitor, lhe sugerindo que faça de conta que Caloca tinha um diário e, por conseguinte,  escreva o diário de Caloca, e contando como ele se sentia desde quando ganhou a bola até quando deu ao time, chegando para problemática de quais seriam as reais ideias que levaram o personagem Caloca ser daquela forma, egoísta. 
Dessa forma, ela leva o leitor a outro lado da história, uma reflexão de meio social e mundo interior, da mesma maneira em que recria no universo infantil a problemática social, tão conturbada naquele período histórico,  abordando até mesmo questões étnicas, sobre a pluralidade de raças, por meio das ilustrações.

Embora a autora, em uma de suas entrevistas tenha deixado claro que distingue as coisas de crianças e as coisas de adultos, e que problema de adulto não é problema de adulto, na mesma entrevista ela diz escrever aquilo que sente, dessa forma, seria impossível não transmitir para sua escrita a realidade em que vive. Assim, mesmo que involuntariamente, ao recriar os problemas sociais em suas obras infantis e juvenis, ela proporciona ao leitor reflexões críticas acerca da meio social em que está inserido, ao mesmo tempo em que, ao fazer a criança de identificar com a narrativa, no sentido das “dificuldades de crianças” – que seriam as disputas por jogos, desejos por determinados brinquedos, conflitos de amizade, etc. - a autora auxilia seu leitor a lidar com essas dificuldades, observando os acontecimentos por perspectivas diferentes – no caso, as perspectivas da narrativa, do personagem (por meio do diário) e do próprio leitor. Assim, ressaltamos a afirmação de Cadermatori (1994):

“[...] a literatura infantil se configura não só como instrumento de formação conceitual, mas também de emancipação da manipulação da sociedade. Se a dependência infantil e a ausência de um padrão inato de comportamento são questões que se interpenetram, configurando a posição da criança na relação com o adulto, a literatura surge como um meio de superação da dependência e da carência por possibilitar a reformulação de conceitos e a autonomia do pensamento.”

Assim, a literatura infantil ultrapassa a simples perspectiva de “servir para criar o hábito de ler”, e atinge aspectos mais amplos, como interventora na produção do conhecimento e de um olhar mais crítico por parte da criança para o mundo à sua volta.
Sugerimos a leitura da história na íntegra, clicando aqui.
Se preferir, pode-se assistir ao vídeo narrando a história.

BIBLIOGRAFIA

HECK, Diana Milena; Nath-Braga, Margarete A. (Orientadora); Ruth Rocha: Um viés crítico de escritura - artigo publicado 08/10/2010- Cascavel-Pr, UNIOESTE. Disponível em:

CADEMARTORI, L. O que é literatura infantil?  6.ed.  São Paulo : Brasiliense, 1994. IN BASSO; C.M. a literatura infantil nos primeiros anos escolares e a pedagogia de projetos. Disponível em: http://coral.ufsm.br/lec/02_01/CintiaLC6.htm

ROCHA, Ruth. Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias. São Paulo: LIS Gráfica e Editora LTDA, 1976.

GT 6

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